sábado, 30 de agosto de 2014

Naropa

 

 

tnk-narpa.jpg (89175 bytes)De acordo com sua biografia religiosa, Naropa era renomado como erudito e era amplamente reconhecido como uma pessoa que tinha se tornado, conceitualmente, mestre nos ensinamentos dos sutras, tantras e vinaya. Ele eventualmente subiu à posição de abade do monastério Nalanda, o maior local de aprendizado no mundo budista daquela época, o que indica que Naropa era um dos maiores eruditos de seu tempo. Seu desempenho filosófico e sua proeza nos debates eram tão grandes que ninguém podia excedê-lo em conhecimento sobre as escrituras budistas, e ele vencia todos os que ousavam debater com ele. Porém, apesar de seu grande aprendizado e prestígio, ele ainda não tinha penetrado no significado dos ensinamentos, e um dia isso foi apontado a ele por uma velha mulher, horrivelmente feia.

As horríveis características físicas daquela mulher — que era uma emanação de Vajrayogini — eram reflexos da própria mente de Naropa, cujo aprendizado e erudição o fizeram orgulhoso e arrogante.

A velha perguntou, "O que você está estudando? O que você está lendo?"

E Naropa respondeu, "Estou estudando o Guhyasamaja Tantra".

"Você pode ler as palavras?"

"Sim", respondeu Naropa, e começou a recitar o texto. A mulher ficou muito feliz ao ouvir aquelas palavras e começou a dançar. Então, Naropa disse, "Não apenas posso ler as palavras, mas também posso compreendê-las."

Neste momento, a mulher parou de dançar e começou a chorar. Intrigado, Naropa perguntou, "Você estava tão alegre por eu poder ler, mas agora você ficou triste porque eu disse que podia compreender o significado. Por quê?"

"Estou triste porque você, um grande erudito, está mentindo. Isto é muito triste. Hoje, no mundo inteiro, ninguém além do meu irmão pode compreender o significado das palavras."

"Quem é o seu irmão?"

"Tilo Sherab Sangpo. É incerto o lugar onde ele está, mas se você quiser encontrar o meu irmão, eu vou ajudá-lo."

naropa2.jpg (8920 bytes)Ao ouvir o nome de Tilopa, Naropa sentiu grande devoção e decidiu partir. Deixando o monastério Nalanda, ele recebeu indicações de que deveria meditar sobre a divindade meditacional Chakrasamvara, e após meditar por seis meses, as dakinis disseram-lhe que deveria encontrar Tilopa no oeste. Naropa passou por grandes dificuldades e, ao chegar à região indicada, não tinha idéia de onde iria encontrar Tilopa. Ele perguntou às pessoas do local, mas ninguém sabia nada. Naropa insistiu, "Não há um grande yogi chamado Tilopa?"

E um pescador respondeu, "Bem, não sei nada a respeito de um grande yogi, mas há um homem chamado Tilopa, o Pária, ou o Mendigo, que mora perto do rio. É muito preguiçoso e vive apenas do que os pescadores jogam fora, como as cabeças e vísceras dos peixes." Naropa pensou, "As ações dos siddhas são incompreensíveis. Deve ser ele."

Quando ele foi até o lugar indicado, ele encontrou Tilopa sentado em frente a um tonel de madeira, cheio de peixes, alguns vivos, outros mortos. Tilopa pegou um peixe, grilhou-o sobre o fogo e o colocou na boca, estalando seus dedos. Naropa se prostrou diante dele e pediu para que o aceitasse como discípulo. "Do que você está falando?", respondeu Tilopa. "Sou apenas um mendigo!" Mas Naropa insistiu e depois de três dias foi aceito.

Tilopa não estava matando aqueles peixes por estar com fome e nada ter para comer. Ele tinha o poder de liberar os peixes, que são completamente ignorantes do que fazer ou não, criaturas com muitas ações negativas. Ao comer os peixes, ele estava fazendo uma ligação com suas consciências, e Tilopa podia transferi-las para um terra pura através da prática do P'howa (tib. 'Pho ba).

Por causa de seu apego aos conceitos, Naropa ainda não estava pronto para receber os ensinamentos, e assim Tilopa sujeitou-o a uma série de tarefas, a maioria das quais resultando em grande sofrimento. Uma vez, Tilopa levou Naropa ao topo de uma torre de nove andares e perguntou, "Há alguém que, para obedecer as ordens de seu mestre, possa pular daqui?"

Naropa pensou, "Não há mias ninguém aqui, devo ser eu." Ele pulou da torre e seu corpo se quebrou no chão, causando enorme dor e sofrimento. Tilopa desceu da torre e perguntou a ele, "Você está sentindo dor?"

"Não é apenas dor, não sou mais do que um cadáver...", suspirou Naropa. Mas Tilopa abençoou-o e seu corpo foi completamente curado. Então, Tilopa continuou a conduzir Naropa em sua jornada.

Em outro dia, Tilopa disse, "Naropa, estou com fome. Vá mendigar alguma comida para mim!" Então, Naropa foi a um lugar onde um grande número de lavradores estava comendo. Lá, ele conseguiu encher sua kapala (tib. thöp'hor / thod phor, pote de crânio) com sopa, e então retornou ao seu mestre.

Tilopa comeu a sopa com enorme apetite e parecia ter ficado muito contente. Naropa pensou, "Por todo tempo em que estive com o mestre, nunca o via tão feliz. Talvez se eu pedir novamente, eu consiga mais sopa." Ele pegou sua kapala vazia e voltou a mendigar, mas os lavradores já tinham voltado para os campos e deixado a sopa onde estava.

Naropa pensou, "A única coisa a fazer é roubá-la". Ele pegou a sopa e saiu correndo, mas os lavradores o pegaram e bateram nele, deixando-o quase morto. Ele ficou tão machucado que, por vários dias, não conseguiu nem se levantar. Novamente, seu mestre chegou, curou-o e voltaram para a estrada.

Em outro dia, Tilopa disse, "Naropa, preciso de muito dinheiro".

Então, Naropa foi tentar assaltar um homem muito rico, mas novamente foi pego e espancado à beira da morte. Depois de vários dias, Tilopa chegou e perguntou, "Você está sentindo dor?" Ele recebeu a mesma resposta anterior, abençoou Naropa e voltaram mais um vez à sua jornada.

Tilopa apontou que os problemas de Naropa surgiam de seu ainda poderoso apego ao pensamento conceitual. Naropa continuou a seguir suas ordens por 12 anos, passando por 12 provas maiores e outras 12 menores, até que fosse liberado do mais debilitante de seus falsos conceitos, purificando-os através de sua intensa e inabalável fé em seu mestre.

Finalmente, Tilopa disse, "Naropa, vá pegar água. Vou ficar aqui e fazer uma fogueira." Quando Naropa chegou com o pote de água, Tilopa saltou da fogueira que estava fazendo e segurou a cabeça dele com a mão esquerda. "Mostre-me sua testa", ordenou a Naropa.

Com a mão direita, Tilopa pegou sua sandália e bateu na testa de Naropa, que caiu inconsciente. Quando Naropa voltou a si, todas as qualidades da sabedoria de seu mestre tinham surgido em sua mente. Mestre e discípulo tornaram-se um em sua realização.

Os ensinamentos de Tilopa não foram longas discussões da doutrina ou instruções detalhadas para a prática. Ele apontou para o céu vazio e disse a Naropa, "Kyeho! Aqui está a sabedoria primordial da auto-consciência que transcende as palavras e objetos mentais. Eu, Tilo, nada tenho a mostrar. Apenas compreenda, observando a auto-consciência." Ouvindo estas palavras, a venda da ilusão foi tirada dos olhos de Naropa e ele foi capaz de compreender a natureza primordialmente pura da mente. Com isto, ele atingiu o estado iluminado de Vajradhara, que transcende completamente todo e qualquer conceito.

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